Emergências comportamentais

PorMichael B. First, MD, Columbia University
Revisado/Corrigido: out. 2024
Visão Educação para o paciente

Pacientes que experimentam alterações graves no humor, pensamentos ou comportamento ou efeitos adversos graves potencialmente fatais de medicamentos ou drogas ilícitas precisam de avaliação e tratamento urgentes. Os pacientes podem se apresentar em uma variedade de ambientes médicos, muitas vezes em um pronto-socorro. Muitas vezes, médicos não especialistas são os primeiros a prover atendimento para pacientes ambulatoriais e pacientes internados em unidades clínicas, mas, sempre que possível, tais casos também devem ser avaliados por um psiquiatra. Além disso, se for difícil lidar com o comportamento, a polícia pode ser envolvida antes que um indivíduo possa ser avaliado por um profissional de saúde.

Quando humor, pensamento ou comportamento do paciente está muito diferente do normal ou desorganizado, a avaliação deve, inicialmente, determinar se o paciente é

  • Ameaça para si mesmo

  • Ameaça para outros

A ameaça a si mesmo pode incluir incapacidade de cuidar de si (resultando em autonegligência) ou comportamento suicida. A autonegligência é particularmente preocupante em pacientes com transtornos psicóticos, demência ou transtorno por abuso de substâncias, pois sua capacidade de obter alimentos, vestimentas e proteção apropriada dos eventos climáticos está comprometida.

Para pacientes com cuidadores (crianças ou alguns adultos), também é importante identificar se os cuidadores não podem cuidar segura e adequadamente de seus dependentes.

Pacientes que representam uma ameaça para terceiros incluem aqueles que

  • São ativamente violentos (isto é, agridem ativamente funcionários, arremessam e quebram coisas)

  • Parecem beligerantes e hostis (isto é, potencialmente violentos)

  • Não parecerem ameaçadores para o examinador e funcionários, mas expressam a intenção de causar dano a outra pessoa (p. ex., cônjuge, vizinho, figura pública)

Se um indivíduo é uma ameaça para outros em um ambiente de cuidados de saúde, devem ser iniciados procedimentos apropriados para evitar danos.

Causas

Pacientes com comportamento difícil de controlar (p. ex., movimentos agressivos, violentos e incontroláveis) geralmente têm transtorno por uso de substâncias; esse comportamento pode ser decorrente de intoxicação aguda com álcool ou outras substâncias, particularmente metanfetamina, cocaína, e, às vezes fenciclidina (PCP) ou MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina). Transtornos psicóticos (p. ex., esquizofrenia, transtorno psicótico breve, transtorno delirante) ou mania aguda também podem causar emergências comportamentais. Outras causas incluem doenças médicas gerais que causam doenças agudas delirium (ver Áreas a serem abordadas na avaliação psiquiátrica inicial) ou demência.

História prévia de violência ou agressão é um forte preditor de episódios futuros.

Princípios gerais

Para emergências comportamentais, o tratamento normalmente ocorre simultaneamente com a avaliação, particularmente a avaliação para um possível distúrbio médico geral (ver Avaliação médica do paciente com sintomas psiquiátricos). Embora transtornos psiquiátricos ou uso de substâncias sejam causas comuns de comportamento anormal, os médicos não devem assumir a causa, mesmo em pacientes com diagnóstico psiquiátrico conhecido ou com odor de álcool ou outros intoxicantes. Como, muitas vezes, o paciente está incapaz ou relutante para fornecer história clara, outras fontes indiretas de informação (p. ex., membros da família, amigos, assistentes sociais, registros médicos) devem ser identificadas e consultadas imediatamente.

Dicas e conselhos

  • Não presuma que a causa do comportamento anormal seja apenas um transtorno mental ou intoxicação, mesmo em pacientes com um diagnóstico psiquiátrico conhecido ou com odor de álcool.

O médico deve estar ciente de que um paciente pode direcionar a violência para a equipe de tratamento e/ou outros pacientes e estar preparado para implementar protocolos de segurança. Reclusão ou contenção devem ser utilizadas como último recurso para evitar danos imediatos ao paciente ou a outros em situações de emergência e quando todas as intervenções menos restritivas foram tentadas (1, 2, 3),

Pacientes ativamente violentos devem ser inicialmente contidos por

  • Reclusão

  • Contenções físicas

  • Medicamentos (contenção química)

  • Uma combinação de medidas

Estas intervenções são realizadas para evitar lesões em pacientes e outras pessoas e para permitir a avaliação da causa do comportamento (p. ex., obtendo os sinais vitais e fazendo exames de sangue). Depois que o comportamento do paciente é controlado, é necessário um monitoramento atento, às vezes envolvendo a observação constante por um membro da equipe. Pacientes clinicamente estáveis podem ser colocados em um ambiente seguro de seclusão. Embora os médicos devam estar cientes das questões legais relativas ao tratamento involuntário, essas questões não devem postergar intervenções que possam salvar vidas.

Pacientes potencialmente violentos exigem medidas para controlar a situação. Medidas que podem ajudar a reduzir a agitação e a agressividade incluem

  • Levar os pacientes para um ambiente calmo e tranquilo (p. ex., uma sala de reclusão, quando disponível)

  • Remover objetos que possam ser utilizados para provocar danos a si mesmo ou a outros

  • Expressar preocupação empática pelo paciente e por suas queixas

  • Responder de maneira segura, mas apoiadora

  • Perguntar o que pode ser feito para resolver a causa da agitação ou agressividade

Falar diretamente — mencionando que os pacientes parecem furiosos ou agitados, perguntando se ele pretende machucar alguém — reconhece o sentimento deles e pode fornecer informações; isto não os torna mais propensos a agir.

Medidas contraproducentes incluem

  • Desafiar a validade dos medos e das queixas dos pacientes

  • Fazer ameaças (p. ex., chamar a polícia, interná-los em um hospital psiquiátrico)

  • Falar de maneira condescendente

  • Tentar enganar os pacientes (p. ex., esconder remédios na comida, prometer que ele não será contido)

Segurança pública e da equipe

Quando pacientes hostis e agressivos são entrevistados, medidas devem ser tomadas para proteger a segurança de outros pacientes, outras pessoas próximas (p. ex., membros da família dos pacientes) e funcionários. Muitos hospitais têm uma política de procurar por armas (manualmente, com detectores de metal ou ambos) em pacientes que se apresentam com comportamento alterado. Quando possível, os pacientes devem ser avaliados em uma área com recursos de segurança como câmeras de segurança, detectores de metal e salas de entrevista que são visíveis aos membros da equipe fora da sala. As portas para as salas devem ser mantidas abertas.

Pacientes que são hostis, mas ainda não violentos, geralmente não agridem os membros da equipe aleatoriamente; em vez disso, eles agridem aqueles que os irritam ou que parecem ameaçadores. Os membros da equipe podem evitar parecer ameaçadores sentando no mesmo nível dos pacientes. Os membros da equipe podem evitar irritar os pacientes não respondendo à hostilidade de maneira semelhante, como fala agressiva, tom elevado ou discussão.

Se, apesar disso, os pacientes ficarem cada vez mais agitados e a violência parecer iminente, os membros da equipe devem simplesmente sair da sala e convocar pessoal suficiente para impedir ou controlar o comportamento agressivo. Normalmente, no mínimo, 4 ou 5 pessoas devem estar presentes. Entretanto, a equipe não deve trazer contenções físicas para a sala, a menos que definitivamente pretenda aplicá-las; ver as contenções pode agitar ainda mais os pacientes.

Ameaças verbais devem ser levadas a sério. Em muitas localidades, quando um paciente expressa a intenção de ferir uma pessoa em particular, o médico avaliador deve avisar a vítima em potencial e notificar uma determinada instituição legal. Os requisitos específicos variam e os médicos devem estar familiarizados com as leis e regulamentos locais. Quase sempre, as regulamentações dos estados também exigem o relato de suspeitas de abuso de crianças, idosos e cônjuges.

Referências sobre princípios gerais

  1. 1. Arriola Vigo JA, Cheung EH, Finnerty MT, et al; Patient Safety Work Group of the Council on Quality Care. Seclusion or restraint. Washington, DC. American Psychiatric Association. APA Resource Document. Approved by the Joint Reference Committee, February 2022, pp 1-21.

  2. 2. American College of Emergency Physicians (ACEP) Policy Statement. Use of restraints. American College of Emergency Physicians, Dallas, TX. Revised and approved February 2020.

  3. 3. National Collaborating Centre for Mental Health (UK). Violence and Aggression: Short-Term Management in Mental Health, Health and Community Settings. London: British Psychological Society (UK); 2015.

Reclusão ou contenção física

O isolamento pode ser utilizado para reduzir a tensão de uma situação caso o paciente esteja agitado e aparente ser potencialmente violento. A reclusão isolada pode ser útil, ou a reclusão pode ser empregada antes do uso de contenções físicas. Os pacientes devem ser monitorados continuamente enquanto isolados ou contidos. Devem-se fornecer líquidos adequados, nutrição e medicações apropriadas.

O uso de contenções físicas é controverso e só deve ser considerado quando outros métodos tiverem falhado e o paciente continuar a representar risco significativo de lesão para si mesmo ou para os outros. As contenções podem ser necessárias para manter o paciente por tempo suficiente para fazer uma avaliação completa, administrar medicamentos ou ambos. Como as contenções são aplicadas sem o consentimento do paciente, algumas questões legais e éticas devem ser consideradas.

As contenções são utilizadas para

  • Impedir lesões claramente iminentes para o paciente ou para os outros

  • Impedir que o tratamento clínico do paciente seja significantemente prejudicado (p. ex., arrancando sondas ou acessos venosos) quando o consentimento para o tratamento foi fornecido

  • Impedir danos para as dependências físicas, membros da equipe ou outros pacientes

  • Evitar que pacientes que precisem de tratamento involuntário saiam (quando uma sala trancada não estiver disponível)

As contenções não devem ser utilizadas para

  • Punição

  • Conveniência dos membros da equipe (p. ex., para impedir que os pacientes perambulem)

É necessário cuidado com pacientes claramente suicidas, que podem utilizar as contenções como instrumento para o suicídio.

Procedimento

As contenções devem ser aplicadas apenas por membros da equipe adequadamente treinados nas técnicas corretas e na proteção dos direitos e da segurança do paciente.

Primeiro, uma equipe adequada deve encontrar-se na sala e os pacientes informados de que as contenções deverão ser aplicadas. Os pacientes são encorajados a cooperar para evitar uma luta. Entretanto, uma vez que o médico determinou que as contenções sejam necessárias, não há negociação e os pacientes são informados de que elas serão aplicadas quer eles concordem ou não. Alguns efetivamente entendem e apreciam ter limites externos para seu comportamento.

Na preparação para a aplicação das contenções, uma pessoa é designada para cada extremidade e outra para a cabeça do paciente. Então, cada pessoa, simultaneamente, agarra a extremidade designada e coloca o paciente em decúbito dorsal; em geral, uma pessoa fisicamente preparada pode controlar uma extremidade até mesmo de pacientes grandes e violentos (uma vez que todas as extremidades sejam agarradas ao mesmo tempo). Todavia, mais uma pessoa é necessária para aplicar as contenções. Raramente, pacientes em pé, extremamente combativos, podem primeiro precisar ser prensados entre 2 colchões.

Contenções de couro são preferíveis. Uma contenção é aplicada em cada tornozelo e em cada punho e presa na estrutura do leito, não à grade. As contenções não são colocadas em volta do tórax, do pescoço ou da cabeça e mordaças (p. ex., para impedir cuspidas e xingamentos) são proibidas. Os pacientes que permanecem combativos mesmo com as medidas de restrição (p. ex., tentativa de virar o leito, morder ou cuspir) podem exigir contenção química.

Complicações

Para pessoas agitadas, os cuidados médicos devem garantir que as necessidades de oxigenação, hidratação, nutrição, higiene e conforto físico sejam atendidas. Monitoramento frequente é necessário e medidas devem ser adotadas para evitar complicações potenciais, incluindo lesões físicas, parada cardíaca e tromboembolismo venoso (1).

Referência sobre complicações

  1. 1. Kersting XAK, Hirsch S, Steinert T. Physical Harm and Death in the Context of Coercive Measures in Psychiatric Patients: A Systematic Review. Front Psychiatry. 2019;10:400. Published 2019 Jun 11. doi:10.3389/fpsyt.2019.00400

Contenções químicas

Medicamentos, se utilizados como contenções químicas, devem ter como objetivo o controle dos sintomas específicos. Tal como as contenções físicas, as contenções químicas devem ser empregas apenas para prevenir danos ao paciente ou a outros e quando outras medidas não são possíveis ou não foram bem-sucedidas (1).

Medicamentos

Medicamentos comumente utilizados como contenções químicas incluem

  • Benzodiazepinas

  • Antipsicóticos (normalmente, um antipsicótico convencional, mas um antipsicótico de 2ª geração pode ser utilizado)

Esses fármacos são mais bem titulados e agem de modo mais rápido e confiável quando administrados IV (ver tabela Terapia medicamentosa para pacientes agitados ou violentos), mas pode ser necessária administração IM quando o acesso IV não puder ser obtido em pacientes que se debatem. As duas classes de medicamentos são sedativos eficazes para pacientes agitados e violentos. As benzodiazepinas são geralmente preferidas para superdosagens de fármacos estimulantes e para síndromes de abstinência de álcool e benzodiazepinas, e os anti-psicóticos são preferidos para exacerbações evidentes de transtornos mentais conhecidos. Algumas vezes, uma combinação dos dois medicamentos é mais eficaz; quando doses altas de um medicamento não tiveram o efeito desejado, utilizar outra classe de medicamento em vez de continuamente aumentar a dose da primeira medicamento pode limitar os efeitos adversos.

Tabela
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Efeitos adversos das benzodiazepinas

Benzodiazepinas parenterais, particularmente nas doses algumas vezes necessárias para pacientes extremamente violentos, podem causar depressão respiratória. Manejo das vias respiratórias, com entubação e ventilação assistida, pode ser necessário. O antagonista benzodiazepina, flumazenil, pode ser utilizado, mas é necessário cuidado, pois, se a sedação for significativamente revertida, o problema comportamental original pode reaparecer.

As benzodiazepinas podem, às vezes, resultar em desinibição comportamental adicional.

Efeitos adversos de medicamentos antipsicóticos

Antipsicóticos, sobretudo os antagonistas de receptores dopaminérgicos, tanto em doses terapêuticas como em tóxicas, podem ocasionar efeitos adversos extrapiramidais agudos (ver tabela Tratamento dos efeitos adversos agudos dos antipsicóticos), iincluindo distonia aguda e acatisia (sensação desconfortável de inquietação motora). Esses efeitos adversos podem ser proporcionais à doses e podem se resolver uma vez que o medicamento seja suspenso.

Diversos antipsicóticos, incluindo tioridazina, haloperidol, droperidol, olanzapina, risperidona e ziprasidona, podem causar síndrome do intervalo QT longo e, em última análise, aumentar o risco de arritmias fatais. Síndrome neuroléptica maligna também é uma possibilidade.

Para outros efeitos adversos, ver Efeitos adversos de medicamentos antipsicóticos.

Tabela
Tabela

Referência sobre contenções químicas

  1. 1. Thiessen MEW, Godwin SA, Hatten BW, et al; ACEP Clinical Policies Writing Committee on Severe Agitation: Clinical policy: Critical issues in the evaluation and management of adult out-of-hospital or emergency department patients presenting with severe agitation. Ann Emerg Med 83:e1-e30, 2024.

Consentimento e tratamento involuntário

Pacientes com alterações graves de humor, pensamento ou comportamento são quase sempre hospitalizados quando sua condição provavelmente vai se deteriorar sem intervenção psiquiátrica e quando alternativas apropriadas não estão disponíveis.

Se um paciente recusa a hospitalização, o médico deverá decidir se o reterá contra a vontade. Fazê-lo pode ser necessário para garantir a segurança imediata do paciente, de outros ou para permitir que a avaliação seja completada e o tratamento seja implementado.

Perigo para si mesmo inclui

Na maioria das jurisdições, o conhecimento da intenção em cometer o suicídio requer que o profissional de saúde atue imediatamente para evitar o suicídio (p. ex., notificando a polícia ou outra agência responsável).

Perigo para os outros inclui

  • Expressar intenção homicida

  • Colocar os outros em perigo

  • Falhar em prover as necessidades ou segurança de dependentes em razão do transtorno mental

Critérios e procedimentos para hospitalização involuntária variam de acordo com as diretrizes, leis e regulamentos locais. Em geral, a hospitalização involuntária requer que um médico ou psicólogo e outro médico, membro da família ou contato próximo confirmem que o paciente tem transtorno mental, é um perigo para si mesmo ou para outros e recusa tratamento voluntário. Os médicos devem obter o consentimento dos pais ou responsáveis antes do uso dos medicamentos em crianças menores.

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